
Minha mente é um baú, guardado num sótão escuro
E meu coração é uma planta, esquecida num canto de muro…
Às vezes revolvo as memórias, daquele baú tão repleto
E a poeira assentada no tempo, aduba a planta quase por completo…
Nessas ocasiões a alma se nutre do adubo que foi à planta
São tantas as felicidades, que mesmo as maiores angústias, esse momento suplanta!
Mas aflições são meu maior legado e a dicotomia, então, se completa
Pois junto do BEM tão guardado, jaz um MAL dissimulado e esteta…
Eu tenho em minh’alma uma história de muita pureza e memória
De que fui protagonista um dia
Uma lembrança tão ingênua e tão doce, que por mais criança que fosse
Jamais eu a inventaria
Eu trago em meu peito um amor, sincero, inocente, pujante,
Tão deveras impressionante
Que ainda hoje sobrevive, embora de dor agonize
Pela insensatez alucinante
O baú no sótão escuro é mais que um esquife, é um cofre
Onde jaz a minha inocência e a minha metade que sofre
É onde deposito as lembranças mais lindas
Na vã tentativa de não vê-las findas
E onde enclausuro, a milhares de chaves,
Ocultas, debaixo de entraves
As dores e o marco profundo
De um grande mal aprendido no mundo
O encantamento que me foi tirado
De um amor tão inocente e imaculado
Corrompido por ter se largado
Tão profundamente, sem nenhum cuidado
A quem só o tornou depravado, pervertido e desonrado
E fez dele um ato libertino; lascivo, impudico e despudorado…
O meu baú de memórias é um amontoado de histórias
Embrulhadas num velho pano…
Está entre o sagrado e o profano;
Tantas perdas…
Tantas glórias…
E na imensidão de um segundo
Me dou conta de que perdi para o mundo
Tantos sonhos em que acreditava
Toda a ingenuidade que em mim se notava…
O meu baú de verdades contém as histórias que a memória mente
Uma mente de memórias onde a história é indecente
Em que crenças e valores se perderam em meio às cores
De um mundo de mentiras,
De esperanças depositadas e decepções alziras…
As lembranças que ali deposito, guardo-as para o infinito
Pois que registros relevantes, orgulhos, conquistas, pudores,
Sentimentos abrasadores
E o meu amor mais bonito
Por aquela que na turbulência
Me tomou a inocência
Em atos tão vis e malditos…
Minha mente é um baú, que contém minha mais pura essência
Nos seus recônditos se vislumbra a minha perdida inocência
Que nada fará tornar…
O baú já foi fechado.
O sótão está lacrado.
Em meu peito tão marcado há uma planta num canto de muro…
E um universo a borbulhar…
Obs.:
* Esteta – pessoa que aprecia e pratica o belo como valor essencial (do grego “aisthetés, “aquilo que sente”);
** Alzira – do árabe Al zaira, “a visitadora” ou “mulher que alimenta intenso desejo pelo sexo oposto”
Texto: Marcelo Felice